Aspectos legais da assinatura digital de forma prática considerando as legislações pertinentes e a interpretação do judiciário.
Na era digital, a prática jurídica está diretamente influenciada pelas mudanças tecnológicas. Dominar as assinaturas eletrônicas é essencial para a advocacia moderna, compreendendo tanto sua realização quanto a garantia de sua segurança e validade legal.
Este guia prático capacita profissionais do direito a realizar assinaturas eletrônicas com segurança e a adotar uma abordagem crítica na análise dessas assinaturas. Exploraremos os princípios que conferem validade jurídica às assinaturas digitais, permitindo ao leitor examinar e questionar a autenticidade e integridade dos documentos assinados eletronicamente.
Três Perguntas Cruciais para Analisar Assinaturas Eletrônicas
Ao lidar com assinaturas eletrônicas, garantir a validade jurídica dos documentos digitais é essencial. Para isso, três perguntas fundamentais emergem como pilares na avaliação da autenticidade e integridade dessas assinaturas.
1. A Assinatura é Emitida pela ICP-Brasil?
A chave de maior garantia para a validade jurídica está na utilização de uma assinatura digital emitida pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Essas assinaturas, feitas por meio de tokens e emitidas por unidades certificadoras credenciadas, são reconhecidas como formas mais seguras de autenticação.
Tipos de Assinaturas Digitais ICP-Brasil mais comuns:
A1: Armazenada no computador ou dispositivo. É um arquivo utilizado para se fazer a assinatura.
A3: Armazenada em hardware como tokens USB.
A Lei 14.063/2023, ao classificar essa modalidade como "assinatura qualificada", confere a ela uma hierarquia superior no âmbito das assinaturas eletrônicas. Ao examinarmos essa legislação em conjunto com a Lei 11.419/2006, que trata especificamente sobre questões relacionadas à informatização do processo judicial, reforça-se ainda esta recomendação, considerando que tal lei cita apenas a assinatura do tipo "qualificada".
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCURAÇÕES ASSINADAS ELETRONICAMENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DO CREDENCIAMENTO DA PLATAFORMA “ZAPSIGN” NO ICP-BRASIL, INVIABILIZANDO O RECONHECIMENTO DE VALIDADE E AUTENTICIDADE DOS DOCUMENTOS. ART. 1º, § 2º, III, DA LEI N.º 11.419/2006. DESPROVIMENTO DO RECURSO. TJ-RJ- AI -Relator: DES. EDUARDO DE AZEVEDO PAIVA Data: 05/04/2023
Ademais, a Lei 14.063/2023 é extremamente genérica, o que acabou deixando abertura para interpretações de que a assinatura sem o certificado da ICP-Brasil pode ser questionada. Surgindo a necessidade de dilação probatória uma execução de título extrajudicial pode ser prejudicada.
Em conclusão, a verificação da autenticidade de um documento assinado digitalmente utilizando um certificado emitido pela ICP-Brasil é uma etapa crucial na validação de sua legitimidade e validade jurídica. Felizmente, para facilitar esse processo, existe uma ferramenta acessível e confiável: o site https://validar.iti.gov.br/.
2. É possível confirmar a autoria e aceitação da assinatura digital?
É essencial confirmar a autoria da assinatura digital. Para isso, a plataforma utilizada deve requerer a confirmação do assinante por meio de informações de identificação, como CPF e RG. Além disso, a plataforma deve registrar o IP do assinante no momento da assinatura, validando a localização física do signatário. A verificação precisa inclui garantir a correta identificação do IP registrado.
Importante ainda é observar que o IP fornecido pela plataforma deve viabilizar a identificação do usuário assinante. Atualmente há duas versões principais de IP:
IPv6 (modelo incomum): Código com letras e números divido em 8 partes, separadas por dois pontos:
2001:0000:3238:DFE1:0063:0000:0000:FEFB
IPv4: O modelo de endereçamento IPv4, embora amplamente utilizado, possui limitações significativas. Com o crescimento exponencial de dispositivos e usuários conectados à internet, múltiplas pessoas acabam utilizando o mesmo endereço IP. Isso impede a identificação precisa de cada usuário.
Para ilustrar, pense na adição do número 9 aos números de telefone celular no Brasil, que foi necessária para acomodar a crescente quantidade de usuários. De maneira
semelhante, para resolver a limitação dos endereços IPv4, foi introduzida uma numeração extra conhecida como porta lógica.
A porta lógica é representada por quatro números, separados por dois pontos após o endereço IP:
192.168.0.1:8080
Isso permite um maior número de combinações, permitindo a identificação individual de cada conexão e dispositivo na rede, assim como a ampliação da capacidade de endereçamento.
O STJ já reconheceu a necessidade do fornecimento da porta lógica para a localização geográfica de um usuário na internet, por isso a falta deste dado pode comprometer a prova de autoria da assinatura digital, vez que não é possível saber onde foi realizada a assinatura.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE APLICAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO DO DISPOSITIVO UTILIZADO PARA ACESSO À APLICAÇÃO. INDICAÇÃO DO ENDEREÇO IP E PORTA LÓGICA DE ORIGEM. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ARTS. 5º, VII, E 15 DA LEI N. 12.965/2014. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...] 8. A revelação das portas lógicas de origem consubstancia simples desdobramento lógico do pedido de identificação do usuário por IP. [..] Resp nº 1.784.156 - SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Data: 21/11/2019
Por fim, a lei Lei 14.063/2023 exige em seu art. 4º, II, exige que documentos assinados tenham declaração das partes aceitando esta modalidade de assinatura como válida ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Tal regra é exigida quando a assinatura é realizada por meio de plataformas (assinatura avançada). Neste sentido é recomendável sempre inserir cláusulas aceitando e validando a modalidade de assinatura digital, inclusive em procurações de advogado.
"Cláusula X - Assinatura eletrônica: As partes admitem e aceitam como válida a modalidade eletrônica de assinatura deste contrato, nos termos das leis n. 14.063/2020, 14.620/2023 e do art. 784, XII, § 4º do CPC."
Em resumo, é necessário se verificar se o documento assinado digitalmente indica endereço de IP com Porta Lógica e possui cláusula de aceitação desta modalidade de assinatura.
3. Posso garantir a integridade do documento?
Para confirmar que o documento não foi alterado após a assinatura, algumas plataformas oferecem recursos para armazenamento prolongado dos documentos assinados. Isso permite o acesso por meio de QR codes e links que preservam a integridade do documento original. Essa capacidade de acesso facilita a verificação manual para garantir que o documento presente é idêntico à versão inserida e assinada na plataforma.
Neste sentido é sempre bom conferir lado a lado os documentos apresentados com o presente na plataforma a fim de verificar qualquer incongruência. Observe que este é um método mais prático de confirmação de não alteração do documento do que uma confirmação de códigos de segurança que dependem muitas vezes de perícia técnica, o que judicialmente pode demandar uma duração e gasto processual extra.
É possível encontrar ferramentas de comparação de arquivos em PDF com indicação prática de diferenças que facilitam a verificação de integridade:
A Lei nº 14.063/2020 exige que assinaturas avançadas permitam a verificação de qualquer modificação posterior. As assinaturas avançadas são aquelas feitas por meio de plataformas de assinatura como Docusign, utilizando certificados não emitidos pela ICP/Brasil.
Dúvidas Comuns
Posso pedir para meu cliente assinar com o dedo no celular?
A assinatura digitalizada é a representação de uma assinatura manual feita em um dispositivo digital, como um smartphone ou tablet, utilizando o dedo ou uma caneta stylus, sendo inserida em documentos eletrônicos através de desenhos em tela sensível ao toque.
No entanto, esses métodos não atendem aos requisitos legais para serem considerados assinaturas eletrônicas válidas devido à falta de autenticação por certificados digitais e criptografia robusta, não oferecendo a mesma segurança e validade jurídica.
Estes tipos de assinaturas podem ser facilmente replicados, não oferecem autenticidade suficiente e, portanto, não proporcionam nenhuma segurança e validade jurídica que as assinaturas eletrônicas baseadas em métodos criptográficos e certificados digitais.
Sendo assim, posso dispensar a assinatura digitalizada?
Apesar de não possuir validade jurídica conforme os padrões estabelecidos para as assinaturas eletrônicas, a assinatura digitalizada pode ser usada como artifício superficial para obter uma aceitação mais fácil por parte de pessoas não familiarizadas com tecnologias digitais ou juízes com pouca experiência no assunto.
A presença de uma assinatura digitalizada em um documento eletrônico pode criar uma percepção de autenticidade para alguns, especialmente para aqueles que não estão habituados com meios digitais.
Em certos casos judiciais, juízes com menos familiaridade com as nuances das assinaturas eletrônicas podem conceder valor à presença de uma assinatura digitalizada, embora ela não possua validade jurídica substancial. No entanto, é importante destacar que essa aceitação superficial não altera o fato de que, legalmente, as assinaturas digitalizadas não cumprem os critérios necessários para garantir a autenticidade e validade jurídica de um documento eletrônico.
Ademais, documentos que aparentam ser escaneados ou fotografados também costumam ter uma menor resistência no âmbito judicial, apostar nessas características cosméticas podem garantir ampla celeridade processual.
Qual o reflexo contratual da assinatura digital em relação a datas e prazos?
Quando se trata de assinatura digital, é importante destacar que cada assinatura realizada registra a data e hora exatas em que foram assinadas. Esse registro preciso pode ter reflexos significativos nas datas e prazos estabelecidos no contrato.
E atenção, em contratos com múltiplos assinantes, a data da última assinatura pode ter um impacto significativo na interpretação do contrato. Portanto, a análise detalhada das datas e horas das assinaturas torna-se essencial para garantir a precisão e a conformidade com os prazos estipulados, bem como para uma interpretação clara e precisa das cláusulas contratuais.
Em um mesmo documento posso ter uma assinatura manual e outra digital?
Não é recomendável a modalidade mista de assinaturas. Ao digitalizar/fotografar um documento físico para assinar, a assinatura presente nesse, no arquivo digital, se torna do tipo digitalizada, modalidade que não possui validade jurídica.
Ademais, o contrato digital comumente exige cláusulas específicas que geralmente não estão presentes em documentos físicos, o que pode ser um fator de risco. Evite digitalizar contratos.
Existe algum risco em relação ao VPN?
A VPN é uma ferramenta de rede privada virtual que mascara o endereço IP do usuário. É comumente utilizada para acesso de catálogo de filmes em países estrangeiros por streaming (Ex.: Netflix).
Assinar digitalmente com essa ferramenta ativa pode comprometer a validade da assinatura, por isso é recomendável checar se o IP do assinante pertence ao país onde este se localiza.
Dica de ferramenta de localização geográfica de IP: Localizar IP (GeoiP) - kingHost
Meu documento digital tem informações confidenciais, como posso fazer um verificação segura de seus requisitos de validade em ferramentas online?
Consultar os termos de uso e poíticas de privacidade é essencial para diminuir os riscos. É possível também priorizar o acesso e manuseio deste tipo de documento em navegadores focados em privacidade, como o Brave Browser.
Quais as plataformas de assinaturas do tipo avançada mais indicadas?
Autentique - 20 assinaturas mensais grátis e possui ferramenta de envio de documentos pessoais e selfie. Interface amigável e simples.
D4Sign - Plataforma utilizada por grandes sociedades empresárias brasileiras com inovadora possibilidade de assinatura por PIX.
Docusign - Ferramente de assinatura digital mais utilizada do mundo, combina diversos métodos de segurança globais. Ideal para entes societários multinacionais.
Posso sempre utilizar a assinatura do Gov.br?
Apesar de acessível, as assinaturas do Gov têm baixa reputação quando remetida a procesos judiciais, portanto não é recomendada sua utilização em contratos particulares.
No âmbito administrativo, em relações com o poder público, essas assinaturas são mais aceitas, mas é sempre bom fazer uma consulta prévia com o órgão ao qual se destinará o documento.
Objetivo sem perder a profundidade. Parabéns, Doutor!
Ótimo artigo Dr. Igor. Apesar de as assinaturas eletrônicas estarem em alta, pouco se sabe sobre como elas funcionam e como podemos usá-las com segurança jurídica. Seu artigo vai direto na jugular do tema, ou seja, nos requisitos fundamentais das assinaturas eletrônicas e, adiciona a cereja do bolo, várias dicas práticas para o dia a dia.